quinta-feira, outubro 16, 2008

Uma revolução verde no agronegócio

16/10/08 - Reconciliar produções maiores com o uso racional dos recursos naturais é a ordem do dia para o setor agrícola. E, em nome dela, já se observa uma crescente pressão exercida por meio de regulamentações e, sobretudo, pelo mercado. “A pressão por melhores práticas no agronegócio vem de longa data. O movimento de sustentabilidade só reforçou as oportunidades de negócios a partir de uma gestão mais eficiente da produção agrícola”, afirma Meire Ferreira, superintendente do ARES, Instituto para o Agronegócio Responsável.

Este desafio está longe de ser simples Segundo o Worldwatch Institute, cerca de 70% da água consumida mundialmente, incluindo a que decorre de desvios e de bombeamento do subsolo, atende à irrigação na agricultura. Além disso, de acordo com o Banco Mundial, 13 milhões de hectares de florestas tropicais são degradados ou desaparecem a cada ano, principalmente para expansão da atividade agrícola.

Outro desafio do agronegócio sustentável é a expansão sem agressões ao meio ambiente. Para Carlos Clemente Cerri, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP), o Brasil tem total condição de suprir boa parte da demanda de alimentos, fibras e biocombustíveis mundiais sem necessidade de novos desmatamentos. “Precisaremos de 18 a 20 milhões de hectares nos próximos dez anos para cultivo de soja, milho, cana de açúcar e oleaginosas para produção de biodiesel. Essas atividades podem ser realizadas em áreas hoje ocupadas por pastos. Para isso, basta aumentar a concentração de gado de 0,9 para 1,5 cabeça por hectare”, explica Cerri.

A transição para a sustentabilidade passa ainda pela revisão de um modelo de produtivo baseado na monocultura, uso intensivo de insumos químicos e mecanização. A fórmula, consagrada pela revolução verde no século XX, tem sido alvo constante de críticas. Não sem razão. Essa combinação de tecnologias e métodos levou à perda de biodiversidade, dependência excessiva de combustíveis fósseis, erosão do solo, e à poluição dos recursos hídricos, entre outros efeitos negativos.

O relatório “Agricultura para o desenvolvimento” do Banco Mundial destaca as tendências para a agricultura no futuro. De acordo com o documento, as tecnologias devem fazer mais do que ampliar a produção. Precisam contribuir para a economia de água e energia, a redução de riscos, o aumento da qualidade dos produtos e a proteção do meio ambiente.

Mudança de hábito

As fabricantes de defensivos e fertilizantes têm dedicado esforços à redução das externalidades de seus processos e produtos. Nos últimos anos, essas empresas, ícones da revolução verde, investiram continuamente na redução da toxicidade de seus produtos e na conscientização dos agricultores para uso racional e seguro dos insumos. “Há muitos exemplos de boas práticas no setor agrícola. No entanto, a sustentabilidade vem despertar para questão social e ambiental de uma forma muito mais intensa, propondo o alinhamento das iniciativas existentes ao negócio”, afirma Meire, do ARES.

Walter Dissinger, vice-presidente de proteção de cultivos para a América Latina e Care Chemicals para a América do Sul da Basf, destaca que a sustentabilidade é determinante para a perenidade do agronegócio. “O crescimento da agricultura ocorre justamente em um momento que se torna evidente o desafio de conjugar o crescimento econômico com as questões socioambientais, em que a sustentabilidade não deve ser considerada um diferencial, mas o princípio que garantirá a sobrevivência das organizações”, ressalta.

Revisão de processos e estratégias

A partir da perspectiva da sustentabilidade, as empresas do setor agrícola passaram a revisar alguns processos e estratégias de negócio. A Basf, por exemplo, vem focando a sua estratégia na área de proteção de cultivos. Segundo Eduardo Leduc, diretor da área no Brasil, além de combater pragas e doenças, os produtos dessa linha proporcionam ganhos de produtividade de 10 a 15% a partir dos chamados efeitos fisiológicos que atuam na funcionamento da planta. “Essa tecnologia está diretamente ligada à sustentabilidade porque o agricultor precisa produzir mais na mesma área. Vamos ter que aumentar muito a produtividade para atender à demanda mundial. Não adianta só expandir a área agrícola”, esclarece.

A empresa também investe em pesquisa e desenvolvimento de genes que aumentam a produtividade e a tolerância à seca. Segundo Leduc, a Basf tem buscado parceiros com conhecimento na área de sementes para oferecer a tecnologia ao mercado. “O modelo de negócios adotado pela empresa prevê a introdução de novas soluções no mercado por intermédio de parcerias, respeitando a cadeia de produção de sementes estabelecida”, afirma.

Em agosto de 2007, a Basf e a Embrapa anunciaram um acordo de cooperação na área de biotecnologia para desenvolvimento de uma variedade brasileira de soja geneticamente modificada. As duas empresas estão trabalhando para registrar a nova tecnologia junto à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), atendendo às exigências da Lei de Biossegurança 11.105/05. A expectativa é que as novas variedades de soja estejam disponíveis para o produtor de sementes em 2010 ou 2011 e para o agricultor, a partir de 2012.

Desde março de 2007, a corporação de origem alemã mantém parceria com a Monsanto para pesquisa e desenvolvimento de produtos com características de tolerância à seca e maior rendimento para as culturas de milho, soja, algodão e canola. Durante o período de colaboração, as duas companhias vão investir em conjunto US$ 1,5 bilhão.

Pioneira na área de biotecnologia, a Monsanto comprometeu-se a dobrar o rendimento de sementes de milho, soja e algodão, reduzindo em 1/3 a quantidade de recursos para o cultivo das mesmas variedades até 2030. Nos próximos cinco anos, destinará US$ 10 milhões ao setor público de pesquisa visando acelerar o desenvolvimento de novas variedades de trigo e arroz. A cada ano, um painel mundial de especialistas selecionará um projeto diferente, oferecendo US$ 2 milhões em investimentos.

A empresa também integra uma parceria, firmada em março deste ano com os governos de Quênia, Uganda, Tanzânia e África do Sul, com o objetivo de pesquisar variedades resistentes à rigidez do clima árido. A tecnologia será disponibilizada a pequenos produtores sem a cobrança de royalties.

O programa Milho Eficiente para a África (WEMA, na sigla em inglês) conta ainda com a participação da Fundação Bill & Melinda Gates e Howard G. Buffett, a Fundação Africana de Tecnologia Agricultural (AATF) e o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT). “A biotecnologia sozinha não é a solução, mas tem uma contribuição importante para reverter a crise de alimentos. Com esses três bilhões de pessoas que virão para o mundo nos próximos 20 anos é imperativo produzir mais com menos recursos. E a biotecnologia representa uma boa opção para aumentar a produtividade, utilizando menos áreas e recursos da natureza”, afirma Gabriela Burian, gerente de responsabilidade ambiental da Monsanto.

Relacionamento com stakeholders

A aplicação do conceito de sustentabilidade no setor agrícola tem produzido mudanças importantes no modo como as empresas se relacionam com os seus públicos de interesse.

As ações de responsabilidade socioambiental da Bunge junto aos produtores são divididas em quatro etapas. Primeiro, a empresa promove a conscientização por meio da distribuição da cartilha “Responsabilidade Ambiental na Produção Agrícola”, elaborada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. O documento traz informações sobre o Código Florestal, como obter os licenciamentos e tornar a propriedade mais produtiva do ponto de vista socioambiental.

Havendo o interesse do produtor em investir na adequação, a Bunge aciona ONGs parceiras como a Conservation International para fazer o georeferenciamento e propostas de regularização da propriedade.

A terceira etapa consiste no reconhecimento por meio do prêmio “Destaque Bunge Agricultor Brasileiro e a última etapa diz respeito á cobrança de práticas. Para fornecer matérias-primas à Bunge, os produtores devem estar rigorosamente adequados às legislações ambiental e social. “A empresa entende que, para continuar no mercado, um produtor precisa ser sustentável. E por isso inclui em todos os seus contratos comerciais uma cláusula de sustentabilidade”, explica Adalgiso Telles, diretor de comunicação corporativa da Bunge no Brasil.

Se a qualquer momento ficar comprovado que agricultor descumpriu a legislação, a Bunge tem o direto de rescindir o contrato unilateralmente.

Em relação aos clientes, a empresa cruza os dados fornecidos para cadastro com a lista suja do Ministério do Trabalho que relaciona propriedades com ocorrências de trabalho escravo. “Desenvolvemos um sistema que captura os dados dessa lista de modo que se o produtor constar na relação, a operação comercial é automaticamente bloqueada”, explica Telles.

Desafios para a sustentabilidade na agricultura

- O consumo de carne na China mais que dobrou nos últimos 20 anos e a estimativa é que dobre novamente por volta de 2030.
- A produção de alimentos para atender a necessidade diária de consumo de uma pessoa demanda cerca de 3000 litros de água – mais de um litro por caloria.
- A agricultura foi responsável por 14% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa em 2000.
- Os solos contêm mais carbono armazenado do que a atmosfera e toda cobertura vegetal terrestre juntas.
- Nos últimos 40 anos, a área mundial ocupada pela agricultura cresceu cerca de 10%, mas a distribuição per capita tem caído. A expectativa é que essa tendência se mantenha devido à menor disponibilidade de terras e ao crescimento populacional.


Juliana Lopes
Fonte: Revista Idéia Socioambiental

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