Os biocombustíveis mais utilizados são o bioetanol – em substituição de gasolina e o biodiesel – em substituição de gasóleo.
Como resposta aos objetivos nacionais, poderá o biocombustível ser um recurso endógeno, mediante a sua obtenção através do cultivo de culturas energéticas unicamente em território nacional? Ou o país estará sujeito a uma nova dependência do exterior?
É de elevada importância a confirmação do alto potencial dos biocombustíveis líquidos, nomeadamente do bioetanol, pois, o lançamento duma ofensiva empresarial para o seu aproveitamento poderá trazer impactos positivos na economia portuguesa pelo conjunto importante de diversas vantagens no seu desenvolvimento.
Consumo energético nos transportes
O transporte é um sector que registra elevado consumo energético (figura 1).
O setor é gravemente dependente do petróleo, que representa 98% do consumo energético (figura 2). Por esse motivo, a estratégia de incorporação de biocombustíveis líquidos reveste-se de importância fundamental no alívio do elevado peso da dependência energética do país. Mas, tal situação só será possível caso a produção de biocombustível seja dentro do território e se realmente demonstrar ser "Energia Positiva", isto é, ao longo do ciclo de sua produção, toda a energia gasta, desde a produção e aplicação dos fertilizantes consumidos na cultura utilizada, até a obtenção do produto final - biocombustível - seja inferior à energia produzida. Caso que tem gerado alguma controvérsia, sem ainda ser possível tecer considerações gerais nesse sentido.
A gasolina representa 29% do consumo energético no sector dos transportes. Porém, por análise do histograma do seu consumo (dados DGGE) verifica-se a redução média do seu consumo em 2,4% ao ano (valores de 2001 até 2005). Extrapolando para o ano de 2010, o consumo seria de 2,195 milhões de m3. Assim, 5,75% de bioetanol correspondem ao valor de 126 mil m3.
Como no decreto dos biocombustíveis nada é referido relativamente à proveniência destes, para atingir o valor de 126 mil m3 de bioetanol até 2010, Portugal pode:
a) Importar bioetanol;
b) Produzir nacionalmente bioetanol com matéria-prima importada;
c) Produzir nacionalmente bioetanol com matéria-prima nacional.
O potencial das culturas energéticas e produção de etanol
A Superfície Agrícola Usada (SAU) tem sofrido um decréscimo nos últimos anos (figura 3) de cerca de 0,9%/ano.
O bioetanol é produzido a partir de matéria-prima, rica em açúcar ou em amido, resultante de culturas tradicionais no país: cereais (trigo e cevada), milho, batata e beterraba doce.
Na análise das culturas energéticas vários cenários foram tidos em conta:
Cenário A – Avaliação do potencial disponível (situação “limite”) caso fosse possível a conversão das culturas existentes, em culturas energéticas, para produção de bioetanol.
Cenário B – Avaliação do potencial exeqüível de bioetanol (situação mais realista), tomando como critério, a conversão das áreas agrícolas, que possivelmente seriam abandonados entre 2005 e 2010, para culturas energéticas.
Para determinar o potencial para produção de bioetanol aplicaram-se os índices de conversão de matérias-primas em bioetanol às produções obtidas, no ano 2000, nas diferentes regiões do Continente.
Quadro 1 – Potencial disponível para produção de bioetanol.
Cenário A
A partir da análise do quadro 1, conclui-se que, caso as produções das áreas atualmente cultivadas fossem orientadas para bioetanol, poderiam originar cerca de 617 mil m3.
Atendendo a estes valores, Portugal conseguiria cumprir as metas de bioetanol estimadas para 2010 (126 mil m3), somente a partir destas fontes de matéria-prima, desde que toda a produção nacional destas culturas fosse destinada a este fim.
Cenário B
A partir da figura 3, retira-se o valor relativo às áreas agrícolas que seriam supostamente abandonadas até 2010, e agora, com o surgimento duma nova fileira de negócios, essa área seria gradualmente convertida em culturas energéticas, como matéria-prima para produção de bioetanol. Dessa análise obtém-se uma área exeqüível de 160.408 ha.
A partir do rendimento unitário descrito no quadro 1 e da área exeqüível, facilmente se chega ao potencial exeqüível de capacidade de bioetanol para cada cultura energética:
Quadro 2 – Potencial exequível para produção de bioetanol.
Como se pode verificar pelo quadro 2, culturas energéticas baseadas na batata, milho ou beterraba doce são possibilidades para Portugal cumprir com as suas obrigações.
Contudo, é preciso tecer outras considerações, desta vez no plano econômico, de modo a avaliar se, economicamente, o bioetanol é competitivo face à gasolina.
A viabilidade econômica do etanol
De forma a dinamizar o sector dos biocombustíveis, o governo lançou o decreto-lei n.º 66/2006 que prevê a isenção parcial ou total do imposto sobre produtos petrolíferos ou energéticos (ISP) até 5 anos. Para pequenos produtores a isenção poderá ser total até ao limite máximo global de 15.000 ton e, para os restantes, o valor da isenção será parcial e constará entre 0,28 a 0,30 €/L.
O cálculo do custo do bioetanol foi efetuado para diversos cenários:
Cenário A – com isenção total do ISP até 15.000 ton (corresponde a apenas 15% da meta - possivelmente se esgotará no 1º ano);
Cenário B – com isenção parcial do ISP de 0,30 €/L (entre 2 a 5 anos);
Cenário C – sem isenção (após 5 anos). Os valores obtidos foram:
Quadro 3 – Preço estimativo do bioetanol (s/ IVA).
Como o poder calorífico do bioetanol (PCI = 21,4 MJ/L) é diferente do da gasolina (PCI = 32,6 MJ/L), uma comparação de preços só será possível mediante a conversão dos preços do bioetanol para gasolina equivalente.
Quadro 4 – Preço estimativo do bioetanol em gasolina equivalente (c/ IVA a 21%).
Figura 5 – Comparação do preço do etanol em gasolina equivalente com a evolução do preço da gasolina.
Fonte: DGGE (preços da gasolina calculados para uma inflação de 9,5%/ano).
Conclusões
O potencial disponível do bioetanol, caso fosse possível converter as culturas tradicionais em culturas energéticas, representa 28% do volume de gasolina que será consumido em 2010.
O potencial exeqüível do bioetanol, aproveitando as áreas agrícolas supostamente abandonadas em culturas energéticas, representa para a beterraba 35%, para o milho 12%, para a batata 12%, para o trigo 4% e para a cevada 2%, do volume de gasolina que será consumido em 2010.
Assim, pode-se concluir que há potencial energético disponível e exeqüível (para a beterraba, milho e batata) para contribuir com mais de 5,75% de bioetanol em 2010.
Na análise econômica, as conclusões sobre a viabilidade de cada uma das culturas energéticas, face à gasolina, encontram-se representados no quadro seguinte:
Para efeito de conclusão final há a dizer que:
O trigo e o milho são as únicas culturas energéticas com alguma competitividade face ao preço evolutivo da gasolina.
As regiões mais favoráveis para produção de bioetanol (a base de trigo ou milho) são o Ribatejo e Oeste e o Alantejo.
A estratégia do Governo para a dinamização do sector é frágil. A isenção total de ISP é só para os primeiros 15% de bioetanol produzido em relação à meta de 5,75% dos biocombustíveis até 2010. A isenção parcial não é uma medida suficiente para tornar o bioetanol competitivo nos primeiros anos, o que só acontecerá mediante a escalada do preço da gasolina (ano de 2009).
Juntando as observações tiradas na análise do potencial energético com as observações da análise econômica, dificilmente será atingido o valor de 5,75% de bioetanol produzido nacionalmente em substituição da gasolina para 2010. Só a partir duma redefinição da estratégia do governo, sobretudo no plano fiscal, ou com o envolvimento dos distribuidores de combustíveis líquidos no sector dos biocombustíveis ou com a importação de bioetanol, será possível atingir os objetivos desejados.
(Download do artigo completo - Documento em PDF) Fonte: Quercus
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