domingo, junho 01, 2008

O país da energia

Última atualização 20/6/08 10:33


Mares de petroleo subteraneo. Rios de caldo de cana. TVs ligadas em de bagaço de cana. Elefantes debaixo do tapete da sala.





Estas imgens que pintam um tanto quanto surrealistas podem, e descrever claramente os últimos acontecimentos no setor energetico brasileiro. Quem não seria taxado de, no minimo, visionario se imaginasse, a alguns anos apenas àtras, que poderiamos produzir mais energia com cana do que com hidrodroeletrica, ou que grandes petroleiras do mundo fizessem aportes de somas monstruosas de dinheiro para comprar empresas brasileiras de etanol de cana. O mesmo certamente aconteceria com quem se arriscasse a dar um palpite no tamanho das reservas encontradas pela petrobras na costa fluminense, muito menos petróleo de alta qualidade, para não fazer como na musica, e ir parar em "Jacarepaguá". Imagine ainda dizer para um plantador de mamona que ela iria substituir 2, 3 ou até mesmo 5% do óleo disel consumido no Brasil.

Ou, quem ainda apostaria em uma empresa do ramo do álcool coma a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do país, comprasse a rede de postos da Esso, vencendo inclusive a Petrobras o leilão de venda, um negócio de 1 bilhão de dólares.

O descrito acima, felizmente não é um quadro de Salvador Dali, mais parece o inicio de um sonho que se concretisa. Num curtíssimo espaço de tempo, uma sucessão de notícias positivas colocou o Brasil no centro das atenções de uma das questões mais importantes deste início de século: a geração de energia. Os campos Tupi, Jupiter e Pão de Açúcar podem ser tratados como mares de petroleo correndo abaixo do fundo do mar ou como grandes elefantes embaixo do tapete da sala, pois têm o potêncial de, juntas, terem algo em torno de 100 milhões de barris de petróleo. Elefantes Grandes e Gordos, quase um Mamute.

Se essa montanha de petróleo chegar à superfície, o que ainda vai exigir muito dinheiro, tecnologia e paciência, o planejamento energético do país mudará para sempre. Do lado dos biocombustiveis, os avanços que unem biotecnologia com ciência da computação e capital de risco podem levar a produção brasileira a mudar de patamar.

Agraciados com um clima sem grandes percalcios, uma luminosidade alta, um solo rico, e extensões de terras imensas e passiveis de serem cultivadas sem ter a necessidade de avançar em as áreas de reserva florestal, como a amazônia, muito menos precisar dispor de áreas reservadas para a produção e expansão da produção de alimentos, como ocorre nos EUA, o Brasil só encontra como barreira para se tornar uma especie de "Arabia Saldita, as barreiras alfandegareas dos paises desenvolvidos, principalmente os da UE e o EUA. A transformação que se descortina é profunda e pode abrir um novo capítulo no desenvolvimento do país, impulso que será sentido por gerações futuras. "O Brasil está se tornando uma potência energética graças à combinação única de liderança em biocombustíveis com sua crescente relevância no petróleo", disse a EXAME Daniel Yergin, presidente do instituto de pesquisas Cambridge Energy Research Associates e uma das maiores autoridades do mundo em energia.

Porém, apesar dos enormes gastos do Governo em 2006 para alardiar a nossa auto-suficiência no petróleo, ainda existe uma depêndencia real de abastecimento de gás natural e petróleo, por parte do Brasil, de fornecedores politicamente inconstantes, como o Oriente Médio, a Bolívia e a Venezuela. No caso do gás, apesar de ainda sermos obrigados a queimarmos enormes volumes em nossa plataformas maritima, o Brasil importa dois terços do volume que consome.

É claro que com a confimação e posterior entrada em produção dos mega campos de Tupi, Jupiter e Pão de Açúcar, esses deficits poderão ser facilmente revertidos. Como tudo o mais que diz respeito ao petróleo, essas estimativas só vão, se forem, virar realidade quando o negro e grosso (neste caso fino) líquido conseguir jorar das profundezas em que se encontram e conseguir chegar chegar às refinarias em terra o que, nas melhor das ipoteses irá ocorrer, dentro de aproximadamente 5 a 10 anos. Fazer isso acontecer e rápido será a grande tarefa do país daqui por diante. Os depósitos estão a 250 quilômetros da costa e a 7 mil metros de profundidade. Embora a Petrobrás seja, reconhecidamente, a maior especialista na exploração em águas profundas do mundo, o desafio técnico é imenso.

Não só o desafio técnico é imenso como os investimento para a exploração total das novas jazidas do no pré-sal devem, os cálculos preliminaries, apontam para investimentos de 2 bilhões de dólares para colocar um único poço em produção, e haverá a necessidade de, ao menos, dez poços. Só então o petróleo vai ser riqueza para o país e para as empresas que o produzem. Se forem mantidos os preços atuais, na casa de 113 dólares o barril (e há quem projete altas ainda maiores), poucos têm dúvida de que a exploração valerá a pena. Por outro lado, apesar da instabilidade no Oriente Médio, onde estão dois terços das reservas comprovadas, não há garantia nenhuma de que o preço do petróleo não volte a cair bruscamente, como já aconteceu duas vezes desde o choque dos anos 70. Isso pode significar que os campos permaneçam inexplorados por falta de viabilidade econômica.

Mesmo com tantas incertezas, a riqueza de petróleo estimula a imaginação. Uma das especulações inevitáveis diz respeito à mudança da matriz energética brasileira. Até hoje, o petróleo e o gás costumavam ser analisados separadamente da energia elétrica e de outras fontes. Mas a abundância de gás natural na costa do Sudeste pode levar a uma mudança de planos. "Como boa parte dos consumidores está concentrada nessa região, a demanda poderia ser suprida com termelétricas alimentadas com o novo gás", diz Edmilson Moutinho, especialista em petróleo e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo.

Quanto à necessidade de construir uma nova usina nuclear, Moutinho é mais enfático: "Se o potencial dos novos campos for confirmado, Angra 3 vai para o espaço". Ainda é cedo para afirmar se as hidrelétricas perderão ou não importância na matriz energética do Brasil. De qualquer forma, o país poderá se dar ao luxo de escolher qual fonte de energia será mais conveniente para sua economia. E esse é um privilégio de poucos.

Outra vantagem de que o país desfruta em energia é na indústria de biocombustíveis. No final de abril, a Companhia Nacional de Abastecimento divulgou novo recorde na produção de etanol. Devem ser produzidos neste ano até 27,4 bilhões de litros do combustível, o que representaria aumento de 20% sobre o ano de 2007. É diante de um cenário de crescimento formidável que a indústria de etanol brasileira se vê às portas da maior transformação de sua história.

Investimentos bilionários em tecnologia, feitos aqui e no exterior, vão permitir que a cana-de-açúcar seja a matéria-prima não só de álcool e açúcar mas de uma série de combustíveis de nova geração, além de fornecer uma parcela importante da energia elétrica consumida no país. Uma usina terá a possibilidade de destinar a sacarose para a produção de diesel e gasolina de açúcar ou bioplásticos. O bagaço poderá ser queimado para a geração de eletricidade ou então servir de alimento para microorganismos geneticamente modificados que vão digerir os restos da moagem para gerar ainda mais combustível, o chamado etanol de celulose. O potencial de energia elétrica resultante da queima do bagaço de cana é enorme.

No ano passado, a bioeletricidade representou apenas 3% da matriz elétrica brasileira. Projeções da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) indicam que essa energia deverá alcançar participação de 15% na matriz nacional. Isso significa que as usinas de açúcar e álcool vão passar dos atuais 1 400 megawatts de potência para 11 500
em 2015. Até 2021, serão 14 400 megawatts o equivalente à geração da hidrelétrica de Itaipu, que responde por 20% do abastecimento do país. "Hoje, o etanol é o negócio mais importante da indústria sucroalcooleira, seguido do açúcar. No longo prazo, a bioeletricidade sera o segundo negócio das usinas, passando o açúcar", diz Marcos Jank, presidente da Unica.

Não é apenas o bagaço que tem potencial de transformar o que se entende por uma empresa sucroalcooleira. A Crystalsev anunciou em abril a criação de uma joint venture com a Amyris, companhia de biotecnologia do Vale do Silício, para a geração de diesel à base de canade- açúcar. Com o uso de uma levedura modificada geneticamente, a sacarose pode ser transformada em um novo tipo de combustível, que tem as mesmas propriedades do diesel tradicional e que, portanto, pode ser misturado em proporções de até 80% com o combustível de origem fóssil.

A tecnologia também permite a produção de gasoline e querosene de aviação com cana-de-açúcar. A Amyris- Crystalsev, como foi batizada a nova empresa, vai inicialmente produzir o diesel em uma usina da Santelisa Vale, mas já está em entendimentos com outras produtoras de São Paulo. O objetivo é atingir 4 bilhões de litros do novo biodiesel a partir de 2011. A mesma Crystalsev também tem uma parceria com o conglomerado químico Dow Chemical para abrir uma unidade de produção de bioplásticos de açúcar. "As usinas estão se transformando em biorrefinarias", diz Rui Lacerda Ferraz, presidente da Crystalsev, trading controlada pela Santelisa Vale. "Com uma única plataforma, a cana, será possível olhar para o mercado e optar pelos produtos com melhor retorno."

Outro sinal da rápida evolução do setor foi a compra da rede de distribuição Esso, do grupo americano Exxon-Mobil, pela Cosan, maior empresa sucroalcooleira do país. Com o negócio, avaliado em 1 bilhão de dólares, a Cosan tornou-se a primeira produtora de etanol 100% verticalizada do plantio de cana-de-açúcar à bomba de combustível. Em primeiro lugar, a empresa incorpora uma rede de distribuição com 1 500 postos, a maioria deles localizada
no estado de São Paulo, onde também estão suas 18 usinas de etanol há outras três em construção em Goiás. Isso facilitará o escoamento e reduzirá custos, melhorando a rentabilidade do negócio.

Há ainda outros ganhos. "Atuar na distribuição nos permitirá o acesso a informações do mercado na composição dos preços", disse a EXAME Rubens Ometto, presidente da Cosan. A formação de preços ao consumidor sempre foi considerada uma das maiores caixas-pretas do setor. "De um lado, eram cinco ou seis distribuidoras. Do outro, mais de 200 produtores. Havia um desequilíbrio muito grande. O mercado sempre foi muito favorável ao comprador", diz Ometto.

Controlar os processos que vão desde a extração da matériaprima até o tanque dos carros não é novidade na indústria de combustíveis assim operam as maiores petrolíferas do mundo. Foi justamente de olho nas oportunidades geradas pela integração da cadeia produtiva que a britânica BP, antiga British Petroleum, anunciou no final de abril a aquisição de 50% da Tropical BioEnergia. A empresa, fundada pela Santelisa Vale e pelo grupo Maeda, está construindo uma usina na cidade de Edéia, em Goiás, e tem planos de abrir uma segunda unidade, num investimento estimado em 1 bilhão de dólares.

Com a associação, a BP tornou-se a primeira das gigantes do petróleo a entrar na produção de etanol no Brasil. As possibilidades de integração oferecidas pela indústria instalada no país foram decisivas, disse a EXAME Philip New, presidente da BP Biofuels, a unidade de biocombustíveis da petrolífera britânica: "Acreditamos que a indústria de etanol será parecida com a de petróleo. É um negócio que se baseia em localização, acesso aos recursos e infra-estrutura de produção e distribuição".

Além de um futuro auspicioso em termos energéticos, o país também pode dar um salto sentido por muitas gerações. "O Brasil está ganhando um presente", diz o economista Vladimir Pinto, analista de petróleo e estrategista de renda variável do Unibanco, sobre as descobertas da Petrobras. "Uma boa política seria acumular reservas e utilizá-las como um trampolim para resolver problemas de diversas áreas e melhorar a eficiência da economia." Vladimir Pinto dá o exemplo do Chile, que mantém uma reserva nacional formada com o dinheiro da exportação de cobre, à qual o governo pode recorrer em um momento de crise. Funciona, portanto, como uma espécie de colchão para amortecer choques de fases adversas.

Outro modelo é o da Noruega, que constituiu fundos nacionais abastecidos com a renda de petróleo. O país já amealhou mais de 300 bilhões de dólares com esse sistema. No caso brasileiro, um fundo semelhante poderia ser aplicado, por exemplo, na redução da carga tributária exagerada sobre outros setores, melhorando sua competitividade. Pelo mesmo raciocínio, poderia haver uma diminuição dos encargos trabalhistas. Ou, ainda, o dinheiro poderia tapar o rombo da Previdência, a fim de construir uma transição para um modelo de seguridade social viável no longo prazo. "O Brasil é uma economia diversificada e não tem por que ser um dependente da renda de petróleo, como os países árabes", afirma Pinto. Em vez de engessar, o dinheiro extra da energia pode dar mais dinamismo à economia além de protegê-la contra crises internacionais.

Mas um grande poder deve ser acompanhado de uma grande responsabilidade. "Gerenciar bem a nova riqueza será um processo econômico e político desafiante nos próximos anos", diz Terry Lynn Karl, professora de ciência política e estudos da América Latina da Universidade Stanford, na Califórnia. Terry é autora de The Paradox of Plenty ("O paradoxo da abundância", numa tradução livre), uma análise do impacto de descobertas de petróleo em países como Venezuela, Nigéria, Argélia, Irã e Noruega. Ela afirma que, diferentemente do que diz o senso comum, a riqueza mineral pode ser uma fonte de sérios problemas em países que têm um Estado fraco ou ineficiente.

Os dólares a mais podem sobrevalorizar a moeda nacional, prejudicando outros setores exportadores e os esforços de diversificação da economia. Isso pode provocar inflação, escassez de bens de consumo e, conseqüentemente, mais desigualdade. É claro que o nível de desenvolvimento da economia e das instituições brasileiras não pode ser comparado ao de países endemicamente pobres, como Nigéria e Argélia. Mas existem outras armadilhas. "Uma delas é a corrupção", diz Terry. Outra é o uso político da riqueza basta olhar para o exemplo venezuelano.

A explosiva mistura de petróleo com política certamente fará parte da agenda nacional no futuro próximo. Em Brasília, já se discute de que forma o governo poderá tirar proveito da bonança que está no fundo do oceano. As conversas rondam uma seara delicada. Tocam a questão do modelo escolhido pelo país quando este decidiu abrir o setor de petróleo à iniciativa privada, em 1997. Um dos perigos à vista são as atitudes do governo no sentido de colocar o investimento estatal na frente. "O governo não tem trabalhado para que o ambiente regulatório seja estável", diz o consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.

Pires refere-se à decisão de tirar de leilão 41 dos blocos de exploração do país logo após a descoberta do campo de Tupi. O Conselho Nacional de Política Energética (formado por nove ministérios e por integrantes da sociedade civil para discutir questões energéticas de médio e longo prazo do país) está estudando qual seria o modelo ideal para regular o setor de petróleo. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia, defendeu recentemente a mudança na legislação. "O Brasil atingiu outro patamar em reservas", disse ele, para justificar uma revisão. Mas, para especialistas, não há como encarar o enorme desafio da exploração sem contar com os recursos financeiros e a tecnologia da iniciativa privada.

No campo do etanol também existem obstáculos a superar. Do lado tecnológico, o país não tem condições de competir com os investimentos americanos no etanol de celulose. Além de um fundo do governo Bush de 3,6 bilhões de dólares, os investidores de risco que ajudaram a criar a economia da internet estão agora voltando seus dólares para as energias renováveis. Para ficar em um único exemplo: Vinod Khosla, um dos fundadores da Sun Microsystems e um dos investidores mais renomados do Vale do Silício, tem em seu portfólio nada menos que 11 empresas que investigam maneiras de produzir etanol de celulose e outros combustíveis verdes.

Mas ficar para trás nessa corrida tecnológica pode não ser uma tragédia. O Brasil tem vantagens incontestáveis na oferta de matéria-prima orgânica que dará origem ao etanol de celulose. Dos 400 milhões de toneladas de cana processados na safra passada, restaram 120 milhões de toneladas de bagaço, acomodadas ao lado das usinas. O detalhe pode parecer insignificante, mas será fundamental para dar competitividade ao etanol celulósico brasileiro. Isso porque nos Estados Unidos a palha de milho principal candidata a insumo do biocombustível de segunda geração fica espalhada, depois da colheita, por uma area imensa. "Qual será o custo só para recolher essa matéria-prima do campo?", diz Ivo Fouto, diretor da Biocel, empresa de biotecnologia da Votorantim Novos Negócios. Ou seja, mesmo que os americanos vençam a batalha tecnológica, dificilmente o Brasil perderá a condição de principal produtor mundial de etanol.

Não há como negar: numa época em que as questões energéticas e o aquecimento global se tornaram itens prioritários na agenda de governantes, empresários e cidadãos de todo o mundo, o Brasil tem uma posição invejável. Transformar a promessa em realidade vai exigir firmeza política, competência técnica e dinheiro. O prêmio será um salto para a economia brasileira que só começa a ser imaginado e que pode representar um impacto comparável ao da industrialização, mais de meio século atrás. Um pouco de sorte também vai ajudar por mais que o país já tenha acertado na loteria ao encontrar dois elefantes no fundo do oceano.

* Por Fabiane Stefano, Samantha Lima e Sérgio Teixeira Jr.
Fonte: Revista Exame

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