terça-feira, dezembro 09, 2008

"O ambientalismo morreu"

Quando os ambientalistas Michael Shellenberger e Ted Nordhaus publicaram o ensaio A Morte do Ambientalismo, em 2004, sabiam que era provocativo, mas não esperavam se tornar os garotos malvados do movimento verde. Eles diziam que a onda ambientalista não seria capaz de lidar com o aquecimento global, porque o problema teria uma natureza econômica em vez de ecológica. Os responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa, diziam eles, eram os mesmos que fazem a economia girar. E nenhum país limitaria a emissão de carbono à custa do crescimento econômico. Essa visão desagradou à velha guarda, mas inspirou a nova geração de ambientalistas. Shellenberger e Nordhaus foram eleitos Heróis do Ambientalismo de 2008, prêmio concedido pela revista Time. ÉPOCA conversou com Shellenberger para saber mais sobre a morte do ambientalismo e o que poderá substituí-lo.

QUEM É: Presidente e estrategista político da organização ambientalista The Breakthrough Institute (algo como Instituto da Ruptura)

O QUE FEZ: Trabalhou para grandes fundações americanas, como o Sierra Club. Sua tese de mestrado em Antropologia pela Universidade da Califórnia foi sobre os conflitos de terra no Maranhão. Foi escolhido pela revista Time como um herói do meio ambiente

O QUE PUBLICOU: The Breakthrough: from the Death of Environmentalism to the Politics of Possibilities (A Ruptura: da Morte do Ambientalismo à Política das Possibilidades, em uma tradução livre)

ÉPOCA - Por que o senhor diz que o ambientalismo morreu?

Michael Shellenberger - O ambientalismo foi fundado sobre uma visão de que os humanos são intrusos na natureza. E de que a ação humana é uma contaminação. A solução óbvia seria limitar a poluição e a invasão humana. Funcionou bem para problemas pequenos e localizados, como a poluição do ar e das águas. Mas, quando enfrentamos um desafio como o aquecimento global, essa política de limitação não funciona. É preciso uma política de possibilidades, algo voltado para impulsionar as grandes aspirações humanas, algo voltado para o investimento e para a criação de uma nova economia. Algo como usar o consumo e a produção como ampliadores da capacidade humana, sem atacar o meio ambiente. E isso só será possível com fontes limpas de energia.

ÉPOCA - Qual é o problema do discurso ambiental de hoje?

Shellenberger - É importante apresentar o problema e a solução. O que o ambientalismo faz é descrever o pesadelo do aquecimento global. O movimento ecológico de hoje raramente descreve o sonho de uma economia baseada em energias limpas, num mundo onde 6,5 bilhões de pessoas podem viver prosperamente. Precisamos articular uma visão inspiradora do futuro. Se fizermos isso, seremos capazes de mobilizar uma ação coletiva para concretizar os investimentos que precisam ser feitos. Essa visão positiva, porém, não é suficiente.

ÉPOCA - Por quê?

Shellenberger - Porque os líderes ambientalistas vêem o aquecimento global como um problema de poluição similar aos do passado. No combate à chuva ácida nos Estados Unidos, foi permitido às empresas que trocassem entre si a permissão para emitir certos níveis de poluição. Mas esse modelo é restrito para enfrentar as mudanças climáticas. Elas exigem uma transformação tecnológica bem mais cara.

ÉPOCA - Que tipo de transformação?

Shellenberger - Transformações tecnológicas que nos possibilitem adotar fontes limpas de energia, mais caras que os combustíveis fósseis. Não é sensato esperar que os governos taxem os combustíveis fósseis para os consumidores procurarem as fontes de energia limpa. Politicamente, essa abordagem não vai dar certo. Especialmente durante a crise econômica. O que funcionaria seriam grandes investimentos estatais em tecnologia, infra-estrutura e educação. Os governos tradicionalmente gastam dinheiro nas recessões para estimular a economia. Agora, esse investimento deve ser feito em tecnologia para baratear energia limpa. Defendemos um portfolio de investimento em diferentes tecnologias. Pode variar da captura e do armazenamento de carbono à energia solar ou à construção de linhas de transmissão para trazer energia de lugares onde venta muito para as áreas urbanas. Há também os biocombustíveis e a energia geotérmica. Todas essas fontes de energia exigiram apoio governamental.

ÉPOCA - Qual seria o papel de economias emergentes, como o Brasil?

Shellenberger - Os países mais ricos, incluindo os EUA e os europeus, deveriam ceder US$ 100 bilhões por ano. Esse dinheiro seria investido nos países desenvolvidos e nas economias emergentes. Poderia ser usado para construir centros de captura e armazenamento de carbono na Índia ou para carros elétricos na China.

ÉPOCA - Não seria ingenuidade esperar por essa mobilização internacional?

Shellenberger - Não necessariamente. As pessoas não se dão conta, mas os EUA investiram bilhões de dólares para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial. Eles formaram uma aliança chamada Comunidade Européia do Carvão e Aço. Essa parceria foi o embrião da União Européia e contou com investimentos centrados em energia e infra-estrutura, assim como propomos. É preciso centrar os investimentos num grupo de cerca de 20 países, com aproximadamente 80% das emissões no mundo. Isso é mais produtivo que buscar um acordo global entre mais de cem países.

ÉPOCA - E como os investimentos podem baratear as energias limpas?

Shellenberger - É só ver o que aconteceu com os chips de computador. No fim dos anos 50, cada chip custava US$ 1.000. Depois que o Ministério da Defesa investiu pesado em sua produção, o preço despencou para US$ 20. Isso pode ser feito agora com tecnologias energéticas. Devemos criar tecnologias e fazer parcerias com países como a China para produzir essa tecnologia de forma barata. Também apoiamos o Brasil, capaz de produzir etanol de cana-de-açúcar de uma maneira muito barata.

ÉPOCA - Com a economia mundial em recessão, o senhor acredita que projetos ambientais ficarão em segundo plano?

Shellenberger - Tenho uma visão particular sobre a crise e suas conseqüências. Durante a recessão, ninguém vai aumentar o preço da eletricidade. Na crise, político nenhum vai tomar a impopular medida de encarecer os combustíveis. As crises são grandes momentos para gastos governamentais, com o objetivo de estimular a economia e os novos investimentos privados.

"É preciso centrar os investimentos nos 20 países que concentram 80% das emissões. Isso é mais produtivo que buscar um acordo global"

ÉPOCA - E como essa transição para energia limpa pode ser feita agora?

Shellenberger - Algumas coisas devem ser feitas, pelo menos aqui nos EUA. A primeira seria construir redes de transmissão de energia eólica de áreas com vento para as cidades. A segunda seria subsidiar a produção de carros elétricos. Isso nos daria mais independência do petróleo estrangeiro, que, além de caro, nos deixa vulneráveis em termos de segurança internacional. A terceira medida seria educar e treinar uma nova geração de engenheiros e cientistas para essa revolução tecnológica. Propomos um plano que consumiria cerca de US$ 10 bilhões em pesquisas, bolsas de estudos, estágios e treinamentos. Deveríamos também construir parcerias com economias emergentes e pulsantes, como Índia e China, para nos afastarmos do carvão e adotarmos o gás natural ou outras fontes limpas de energia.

ÉPOCA - Qual seria o papel do Brasil?

Shellenberger - Deveria ser feita uma parceria para destinar grandes investimentos para o país em diversos setores da economia em troca da conservação da Amazônia. Como o Brasil deverá sacrificar o crescimento econômico que a exploração da floresta traria, ele deve ser compensado por isso. Essa compensação deveria ser feita em investimentos na economia. Uma coisa em que o Brasil se destaca são os biocombustíveis, principalmente o etanol. A questão é se o Brasil pode ajudar outros países com seu etanol, inclusive os EUA. Além disso, a indústria brasileira é muito avançada. O Brasil poderia produzir maciçamente painéis solares, turbinas de vento e outras tecnologias de produção de energia limpa. Finalmente, são perceptíveis os investimentos estatais brasileiros em ciência e educação. Sugiro um consórcio global para investimentos em ciência e engenharia - e o Brasil seria um importante líder nesse grupo.

ÉPOCA - É possível frear o desmatamento da Amazônia?

Shellenberger - É um dos maiores desafios ecológicos do mundo. As queimadas e os desmatamentos emitem grandes quantidades de carbono. O Brasil ocupa um papel único: deseja conservar a Amazônia para as próximas gerações, mas também quer ser uma potência agrícola e econômica. O desafio de equilibrar esses dois desejos proporciona um estudo de caso extraordinário.

Fonte : ÉPOCA

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