A economia mundial está vivendo as dificuldades de duas crises simultâneas, mas de origem e conseqüências diferentes: 1) a financeira, que se iniciou com a descoberta - a partir dos problemas surgidos no setor imobiliário americano - da imoralidade que se escondia no sistema financeiro internacional; e 2) a produzida pela rápida evolução dos preços do petróleo, dos metais e dos alimentos.
A primeira é resultado da falta de cuidado das agências, que permitiram à imaginação financeira transformar crédito duvidosos em papéis de primeira linha. Isso foi feito apondo marcas "famosas" aos papéis de péssima qualidade escondidos dentro dos que emitiram. Tudo debaixo do nariz dos mecanismos de controle do sistema financeiro (às vezes nos bancos centrais) e das agências de "risco", como agora reconheceu o relatório do Instituto de Finanças Internacionais. A grave imoralidade reside no fato de que esses riscos não eram registrados nos balanços das marcas "famosas". Isso foi possível devido à hegemonia de um falso pensamento liberal, que sugere que o "mercado" dá aos agentes não só a oportunidade de lucro, mas também a moralidade. Cada um deles teria no seu peito o "espectador imparcial" sonhado por Adam Smith. Essa crise deu a volta ao mundo: atingiu primeiro o sistema financeiro americano, migrou para o sistema financeiro europeu e está ameaçando o japonês.
A desorganização do sistema creditício vai aos poucos minando o crescimento da economia real nos países desenvolvidos. Hoje, as melhores estimativas mostram que o aumento do PIB dos EUA será da ordem de 1,3% em 2008 (contra 2,2% em 2007) e na Eurolândia será de 1,7% (contra 2,6% em 2007).
A segunda crise é resultado de um fato benigno: o rápido crescimento da economia dos países emergentes, que vem ocorrendo há uma década. Em 2007, elas cresceram 8,0% e em 2008 provavelmente crescerão qualquer coisa como 7% (o Brasil cresceu 5,4% em 2007 e espera-se que cresça em torno de 5% em 2008). O rápido aumento da demanda desses países, produzido pela expansão da sua produção industrial e urbanização, levou a um desequilíbrio físico entre as ofertas e procuras globais de petróleo, minérios e alimentos.
Esse desequilíbrio, mesmo em condições normais de pressão e temperatura, levaria a um aumento importante dos seus preços, devido a uma demanda com considerável elasticidade-renda e pequena elasticidade-preço. Os aumentos de preços foram muito maiores por causa da imensa desvalorização do dólar americano, que é a unidade de conta no mercado internacional. Uma pequena redução do crescimento, um pequeno aumento da oferta e alguma valorização do dólar podem inverter esse movimento.
O desequilíbrio físico nos mercados de petróleo, metais e alimentos, a desvalorização da unidade de medida e a extrema liquidez gerada pelo comportamento dos bancos centrais criou uma inflação planetária que pode ser apreciada na tabela abaixo, onde se registram as taxas de inflação no fim do primeiro semestre de cada ano.
No caso brasileiro, quase 2/3 do aumento da taxa de inflação se deve à pressão dos preços agrícolas, o que mostra a nossa completa integração com o mercado mundial desses produtos. Tivemos uma excelente safra 2007/08 (crescimento de 8,1% dos grãos) e o governo teve o bom senso de não interferir nas exportações, o que nos tornou fornecedores confiáveis. É preciso entender, entretanto, que nossos preços internos não são mais determinados por nossa oferta e procura internas. São estabelecidos no mercado internacional e internalizados pela taxa de câmbio flutuante, o que coloca sérias dificuldades para a política monetária de controle da taxa de inflação.
Hoje, a oferta e a demanda de alimentos do Brasil são parte integrante do mercado mundial onde se estabelece o preço de equilíbrio em dólares. A demanda mundial determina o volume das exportações brasileiras que, combinado com o preço externo, produz o valor de nossas exportações, o que influencia a taxa cambial. É esta e o preço externo que fixam o preço interno. Este, por sua vez, determina o que será produzido (na próxima safra) e consumido (nesta safra) pelos brasileiros. Para ajudar o Banco Central a controlar a taxa de inflação é preciso dar ênfase a uma política agrícola que aumente a produção e a produtividade dos alimentos, cujos preços são formados internamente: verduras, tubérculos, feijão, peixe, frutas, ligados à agricultura familiar.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
Fonte: - SP
quinta-feira, julho 24, 2008
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