Os piores malefícios da onda liberal para a vida brasileira se situam no tema da energia. FHC conduziu o Brasil ao "apagão" elétrico. A "política" de fomento ao consumo industrial de gás se desdobra agora num "apagão" de gás. Em 1996, o Brasil consumia cerca de 10 milhões de metros cúbicos diários e passou a receber três vezes mais gás da Bolívia. O consumo de gás aumentou excessivamente, apesar do medíocre crescimento da economia. Nos últimos dois anos, com a recuperação industrial, bateu em seu limite. A indústria química, cerâmica, têxtil e vidraceira terão que paralisar seus projetos de investimentos, pois não haverá gás disponível.
Em 2006, o governo Lula lançou o Plano de Aceleração de Gás Natural (Plangás). Como é da tradição, lançado com atraso histórico, o Plangás está atrasado em 2008. A Petrobras pretende se transformar numa importadora de gás liquefeito. Enquanto isto, o gasoduto que ligaria Venezuela, Brasil e Argentina continua sendo um espaço de retóricas geopolíticas desencontradas. É sabido que a Petrobras é contra o gasoduto que integraria o continente sul-americano. Enquanto o Itamaraty luta pela integração, a Petrobras, com seu projeto de ser uma empresa petroleira internacional, se move contra a integração via gasoduto.
Toda a produção é, em última instância, trabalho do esforço humano potencializado pelas energias disponíveis. Nada é tão frenador do crescimento quanto a falta de energia; sua disponibilidade tem de caminhar à frente do crescimento do consumo. Hoje, apesar de nosso imenso potencial hidrelétrico, estamos instalando termelétricas movidas a gás e derivados de petróleo. Os ambientalistas, que são hostis aos reservatórios, devem aplaudir as emissões de calor de nossas termelétricas.
O presidente Lula aposta, corretamente, em bioenergia. Deveríamos robustecer a produção de etanol de álcool. Seria necessária uma pesquisa para a utilização da palha dos canaviais. Hoje, com um fósforo se dissipa, em fumaça, calor equivalente a toda a produção de açúcar e álcool, pois o canavial, para ser colhido, é queimado. Deveríamos priorizar a busca de um equipamento que permitisse colher a palha seca do canavial e uma política social de geração de emprego para os trabalhadores da cana-de-açúcar que seriam dispensados.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva apostou na mamona a ser produzida pelos assentamentos agrários do Nordeste. Deveria pagar um preço estimulante aos assentados, porém o óleo é tão valioso que não deve ser utilizado como matéria-prima de biodiesel. O óleo que está sendo usado é o de soja. Sobra muita glicerina, que deveria ser objeto de um programa prioritário de pesquisa científico-tecnológica, uma gliceroquímica. A construção de grandes hidrelétricas e um esforço coordenado para a bioenergia são prioritários. Afinal, são recursos energéticos renováveis.
Estamos igualmente bem-dotados em termos de energéticos não-renováveis. O carvão brasileiro é pouco e ruim. Porém, temos a sexta reserva mundial de urânio, dominamos a tecnologia de enriquecimento de urânio, e ainda não pesquisamos este minério na maior parte do território nacional. Em matéria de petróleo, a pesquisa da Petrobras mapeou, na Amazônia Azul brasileira, gigantescas reservas de petróleo de boa qualidade em águas profundas e debaixo de uma grande camada de sal fóssil, e estamos na ponta tecnológica para explorar o petróleo do pré-sal.
É necessário colocar a centralidade de uma discussão político-estratégica sobre a energia para o futuro brasileiro. Nossas potencialidades apresentam a oportunidade histórica de atingir, em uma geração, a plena maturidade econômica e exorcizar de vez a pobreza e a miséria. Há também uma ameaça, dada a "fome" mundial pelo petróleo e o cenário de falta progressiva de alimentos.
Na primeira crise do petróleo, o preço internacional do produto saltou de U$ 2,50 para U$ 11 o barril. Na mesma década, a crise no Irã empurrou o barril para cima. No novo milênio, o petróleo já passou de pouco mais de U$ 20 para U$ 140. Todo cuidado geopolítico é pouco, pois não apenas nossa Amazônia Verde é "objeto de cobiça" internacional, como também nossa Amazônia Azul do pré-sal será disputada.
Creio que o Estado brasileiro deveria criar uma enorme estatal de energia, nela situando o petróleo, o gás, o urânio, a hidroeletricidade e a bioenergia. Isto é fazer o oposto que a onda neoliberal preconizou. O argumento de que seria um monopólio deve ser comparado com as práticas oligopolistas das empresas privadas de energia. Essa estatal deveria ter um direto controle das principais frações da sociedade brasileira; sua presença acabaria com a descoordenação, e preveniria futuros "apagões"; restauraria a presença nacional nas instituições energéticas, que não devem ser privadas e, em princípio, não devem estar abertas a capital estrangeiro. Essa estatal poderia praticar tarifas cruzadas e se converteria no principal instrumento de uma política de desenvolvimento de um Brasil para os brasileiros.
Em princípio, o Brasil deve ser um exportador de produtos com o máximo valor agregado sobre o trabalho dos brasileiros. Reservar nossa energia não-renovável para esta estratégia exportadora é correta, sob o ângulo de aplicação financeira. É um erro estratégico exportar petróleo acima do necessário para o investimento em energia. Nada melhor que dispor de reservas provadas de petróleo para o futuro. Nossa bioenergia - em resumo, nossa água, solo agriculturável e insolação - exige fertilizantes, máquinas e combustíveis para ser produzida. Deve ser reservada para a produção dos brasileiros em território nacional. É outro erro estratégico exportar bioenergia se for possível utilizá-la para melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro.
Carlos Lessa - professor-titular de economia brasileira da UFRJ
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quarta-feira, julho 02, 2008
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