O ESCANDALOSO desabafo "espontâneo" (provavelmente bem meditado) do ilustre ministro Celso Amorim em Doha tinha, na sua deselegância estudada, mensagens importantes que não deveriam ser ignoradas com o "tomamos boa nota" diplomático. Primeiro, para os críticos europeus do nosso programa de biocombustíveis e, segundo, para nossos parceiros que fingem ser "economia de mercado".
Como é claro, não existe qualquer altruísmo em Doha. Toda a defesa da absoluta liberdade de comércio apoiada na hipótese que ela gera o aumento do bem-estar da humanidade esconde o egoístico objetivo de cada país de conseguir suas autonomias energética e alimentar, fortemente ameaçadas pela perspectiva do declínio da produção mundial de petróleo. A produção de petróleo nos EUA aparentemente atingiu o seu máximo em torno de 1970, como havia sido previsto por Hubbert em 1956.
Hoje, os mágicos que estimam a data daquele máximo para o mundo contam-se às dezenas (inclusive o próprio Hubbert). Todos sugerem que será entre 2015 e 2030, mas há séria controvérsia produzida pelo avanço das tecnologias e pelas descobertas insuspeitadas há dez anos (como é o caso do pré-sal brasileiro e do Ártico). De qualquer forma, a situação é assustadora. Se a humanidade não encontrar um substituto para a energia extraída do petróleo, haverá pela primeira vez na história uma regressão do crescimento e do seu bem-estar material, porque a energia e os subprodutos do petróleo são fatores ubíquos em toda a produção de bens e serviços que ela consome.
Isso revela o cinismo da Europa, o mais antigo e maior produtor de biodiesel do mundo (de colza) e recente produtor de etanol de cereais e beterraba que, efetivamente, comprometem a disponibilidade alimentar. Escondem tal fato criticando a produção de etanol de cana, que ajuda a aumentar a produção de alimentos. A China também fez suas insinuações, mas produz etanol (de milho, arroz e mandioca) e biodiesel (de vegetais oleosos), reduzindo a oferta de alimentos.
Os EUA têm, pelo menos, a coragem de reconhecer abertamente que não prestam atenção ao custo do etanol de milho: querem de volta a autonomia energética perdida, mesmo que isso adicione um pouco mais desequilíbrio na oferta mundial de alimentos (que os europeus, a China, a Índia e outros países também estão fazendo).
O Brasil é a grande exceção. No caso de alguns de nossos "parceiros", a situação foi ainda agravada pelo estabelecimento de impostos de exportação, não apenas sobre os produtos finais, mas sobre os fertilizantes, como é o caso da China, que explora, assim, seu poder de monopólio. A "deselegância" programada do ministro tinha, pois, as suas razões... Antônio Delfim Netto é economista, professor universitário e político brasileiro
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.
Publicação: 30/07/2008 10:51
Fonte: - SP
Do:
sexta-feira, agosto 01, 2008
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