A empresa americana Verenium inaugurou há três semanas a primeira usina do país para produção de etanol de celulose em escala pré-industrial. A fábrica, prevista para entrar em operação no mês que vem, vai produzir 14.500 litros de álcool por dia a partir da fermentação do bagaço de cana-de-açúcar. O etanol de celulose é visto como o grande salto tecnológico dos biocombustíveis para o futuro, e o bagaço de cana é a matéria-prima na qual o Brasil aposta para entrar nesse mercado. Só tem um detalhe: a empresa não é brasileira, é americana, e a usina não fica no Brasil, mas nos Estados Unidos.
O projeto é mais um sinal de que o Brasil, líder no etanol “clássico”, feito a partir do caldo de cana, corre o risco de ficar para trás na corrida pelo etanol de “segunda geração”, produzido a partir da celulose. A Verenium é uma de várias empresas americanas fazendo pesquisa nessa área, apoiadas por investimentos milionários do Departamento de Energia dos EUA. Visando a reduzir sua dependência no petróleo, os Estados Unidos têm como meta produzir 79,5 bilhões de litros de biocombustíveis até 2022, dos quais 60,5 bilhões deverão ser etanol de celulose.
O Brasil, por sua vez, tem pouco a mostrar fora dos laboratórios. A indústria Dedini trabalha desde 2002 com uma planta piloto na Usina São Luiz, em Pirassununga, no interior paulista. A planta tem capacidade para produzir 5 mil litros de etanol de celulose por dia, mas funciona apenas ocasionalmente, em caráter experimental, e deverá ser desativada em breve. A empresa tem um projeto com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para construir uma nova unidade experimental, talvez em Piracicaba.
Outra planta piloto fica no câmpus do Centro de Pesquisas de Petrobrás (Cenpes), no Rio. A unidade foi inaugurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro, mas, segundo fontes de fora da empresa, nunca funcionou plenamente. A pesquisadora Lídia Santa Ana, responsável pelo projeto, nega. “Estamos trabalhando muito”, diz.
Segundo a Petrobrás, a planta tem capacidade para produzir 220 litros de etanol por tonelada de bagaço. A meta é chegar a 280 litros. “Estamos realizando vários testes para tirar parâmetros de escalonamento e otimizar o processo”, afirma Lídia. A Petrobrás não permitiu que o Estado visitasse a planta.
DEMONSTRAÇÃO
A usina da Verenium vai trabalhar em uma escala acima da planta piloto, chamada “demonstrativa”. Ela está instalada em Jennings, na Louisiana, um dos poucos Estados americanos que plantam cana-de-açúcar. Apesar da produção de etanol americana ser toda feita a partir do milho, a empresa optou pelo bagaço de cana por ser uma fonte de biomassa farta e de fácil manuseio - justamente as características que poderiam garantir ao Brasil uma vantagem no setor.
“O material já chega moído, pronto para ser processado” - o que significa ser destroçado por enzimas e dado de comer a micróbios fermentadores, que transformam o açúcar da celulose em álcool (ilustração), explica o bioquímico Kevin Gray, chefe de pesquisa da empresa.
As primeiras cargas de bagaço foram entregues no início do mês e a previsão é que o etanol comece a fluir em julho ou agosto. A produtividade inicial, segundo Gray, será de 300 litros de álcool por tonelada de biomassa. Mas a cana-de-açucar é apenas o “rato de laboratório” da empresa. Gray espera que o primeiro insumo usado em escala comercial será uma outra variedade de cana, chamada “energética”, que é pobre em açúcar, mas rica em celulose e com mais biomassa por hectare. “Já estamos fechando contratos com produtores para garantir a oferta.”
A expectativa é que as enzimas que funcionarem com a cana também servirão para outros tipos de gramíneas, como sorgo, palha de trigo, colmo de milho ou switchgrass (uma grama de pradarias muito comum nos EUA). A empresa planeja abrir uma usina comercial em 2010, com capacidade para produzir 310 mil litros de etanol/dia.
CENTRO NACIONAL
Lideranças científicas alertam para o risco de o Brasil “perder o bonde” do etanol de celulose. “Certamente os Estados Unidos estão muito mais avançados nessa área do que nós”, diz o físico Rogério Cerqueira Leite, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que recentemente coordenou uma avaliação das pesquisas com etanol no País, encomendada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). “Não temos quase nada além de experiências de bancada.”
Cerqueira Leite é um dos autores da proposta de criação do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), que começa a ser construído este ano em Campinas. “Já temos recursos liberados e a idéia é deslanchar nos próximos meses”, disse. O projeto, financiado pelo MCT, inclui a construção de uma planta piloto de etanol de celulose.
“As vantagens do Brasil são muitas, mas se não aumentarmos nosso esforço de pesquisa vamos ser ultrapassados”, diz Cerqueira Leite. “É a única maneira de nos mantermos competitivos.” Ele acusa a Petrobrás de fazer lobby no governo federal contra a criação do CTBE. “A influência da Petrobrás tem sido muito pouco positiva”, diz.
O diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, concorda que o Brasil está atrasado nas pesquisas. “A vantagem que temos no etanol clássico vai demorar para ser superada - se é que um dia chegará a isso -, mas precisamos intensificar as pesquisas com outras técnicas. Temos de nos cuidar nas duas pontas.”
PRODUTIVIDADE
Mesmo que a celulose não chegue a competir com o caldo, diz Brito Cruz, o uso do bagaço seria uma forma de aumentar a produção de álcool sem aumentar a área plantada de cana.
Toda a indústria brasileira de etanol hoje é baseada no caldo de cana, que contém só um terço da energia da planta. Os outros dois terços estão no bagaço (metade do qual é queimado para produzir energia) e na palha da cana (geralmente queimada ou deixada no campo), que poderiam servir como fonte de celulose.
Fonte:
Da Agência
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