terça-feira, dezembro 09, 2008

Vacas menos poluentes

Cientistas do mundo todo buscam soluções para diminuir a emissão de gás metano por animais ruminantes. Uma nova pesquisa - realizada por cientistas em Zurique, em parceria com diversos países, entre eles o Brasil - mostra que plantas tropicais podem minimizar o problema. E ainda há outras iniciativas, no Reino Unido, no Brasil, na Nova Zelândia, na Suécia...


É difícil de imaginar, mas é verdade. Apesar da aparência pacata e bucólica, as vacas também são responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento global. Durante o processo digestivo do animal, ele emite gás metano, que é cerca de 20 vezes mais potente que o dióxido de carbono (CO2). Estima-se que 16% da poluição mundial seja proveniente da pecuária. Mas os bovinos não são os únicos vilões. Cabras, ovelhas e búfalos também causam o mesmo problema.

Diferente do ser humano, os animais ruminantes têm quatro estômagos. Os dois primeiros são o rúmen e o retículo, onde o bolo alimentar se mistura continuamente. Dentro deles, há uma concentração enorme de microorganismos (bactérias, protozoários e fungos). Como todo esse processo de fermentação dos alimentos é anaeróbico (sem presença de ar), o gás metano é produzido e acaba sendo expelido pelo animal. Uma vaca pode liberar de 150 a 500 litros de gás por dia, dependendo de sua espécie e finalidade. “O problema não está na digestão das vacas. Mas, sim, no aumento exorbitante do rebanho mundial para suprir a demanda por alimentos e outros produtos”, afirma o professor alemão Michael Kreuzer, especialista em alimentação animal, do ETH Zürich - Instituto de Ciências Animais da Escola Politécnica de Zurique.

Kreuzer estuda o assunto há mais de 20 anos. Em seus últimos experimentos, o especialista alemão constatou que, ao adicionar substâncias provenientes de plantas tropicais na dieta alimentar do animal, é possível diminuir a emissão de metano. Foram testados três tipos de aditivos alimentares. Primeiramente, gordura de coco, linhaça e de sementes de girassol. Essas substâncias conseguem inibir a proliferação de um microorganismo no rúmen, responsável pela produção do metano. Na segunda fase da pesquisa, foram testados saponinas (encontradas nos frutos do jequiriti ou quilaia) e tanino (originário de alguns tipos de acácia). “Os resultados mostraram diminuição do metano em até 20%”, revela Kreuzer. Para comprovar esses valores, a equipe do ETH colocou vacas e ovelhas dentro de uma câmara de vidro, alimentou-as durante dois dias e ficou monitorando a emissão de gases.

Os cientistas também sabem que vacas alimentadas exclusivamente com ração produzem um terço do metano do que as que comem em pastos. “O metano se origina, principalmente, da digestão da celulose dos alimentos verdes”, explica o professor do ETH. Entretanto, além do capim e feno serem bem mais baratos e saudáveis, se pecuaristas decidissem utilizar somente ração, o dano para o meio ambiente seria igualmente ruim.

Encontrar soluções “naturais” para o problema é o ideal, já que essas alternativas dificilmente afetam a qualidade nutricional e o gosto do leite e da carne. As leis européias proíbem o uso de antibióticos para reprimir a formação de metano (prática largamente utilizada em muitos países) e a injeção de microorganismos modificados geneticamente no rúmen.

Entretanto, para tornar a ingestão dos aditivos alimentares de plantas tropicais uma alternativa comercialmente viável, seria necessário que a produção dessas substâncias fosse realizada nos países de origem, já que atualmente elas ainda são raras e caras. Durante as pesquisas, elas foram adicionadas na alimentação dos animais em forma de pó.

PARCERIA BRASILEIRA

A pesquisa realizada pelo ETH Zürich conta com colaboradores essenciais para o sucesso do projeto: parcerias com universidades de vários países em desenvolvimento, como Colômbia, Peru, Brasil, Bolívia, Quênia, Etiópia, Indonésia e outros. Com isso, garante-se que pesquisadores façam um trabalho conjunto em diversas áreas. O objetivo do ETH Zürich é fomentar a pesquisa nesses lugares e encontrar soluções baratas e simples, que possam ajudar a economia local e o meio ambiente. “Queremos auxiliar os países que realmente necessitam”, diz Kreuzer.

O Brasil possui o maior rebanho comercial de bovinos do mundo. Segundo o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2007, o país tinha 192 milhões de cabeças, sendo 89% bovinos, 7% ovinos, 3,5% caprinos e 0,5% bubalinos. Desde 2002, o CENA/USP - Centro de Energia Nuclear na Agricultura tem uma parceria com o ETH Zürich, financiada pela AIEA - Agência Internacional de Energia Atômica. “Estamos pesquisando a utilização de plantas taniníferas brasileiras na manipulação dos microorganismos ruminais e mitigação de metano entérico”, explica Adibe Abdalla, professor do CENA. “Nas câmaras para quantificação de metano in vivo, tivemos resultados promissores com a planta Sansão do Campo (mimosa caesalpiniaefolia), adicionada à dieta de ovinos da raça Santa Inês, com uma redução de cerca de 17% na liberação do gás”, comemora Abdalla.

Os pesquisadores do CENA também estão investigando a eficácia de resíduos (co-produtos), obtidos após a extração do óleo das sementes do algodão, do pinhão manso e do girassol, utilizados para a produção de biodiesel. As chamadas “tortas” desses resíduos melhoram a qualidade da dieta dos animais e reduzem a emissão do metano em cerca de 6%.

Outro instituto brasileiro que desenvolve estudos nessa área é a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Além de pesquisar novos tipos e a melhora da qualidade de forragens (alimentos), existe um projeto de longo prazo para produzir vacinas para controlar os microorganismos produtores de metano (metanogênicos).

Em todo o mundo cientistas se debruçam sobre o tema e realizam novas experiências. No Reino Unido, por exemplo, o professor Athole Marshall, do IGER - Institute of Grassland and Environmental Research, da Aberystwyth University, está conduzindo uma pesquisa com uma espécie de trevo, o birdsfoot trefoil (lotus corniculatus). “Estamos interessados no birdsfoot trefoil porque ele tem tanino, o que protege a proteína no rúmen e evita o inchaço do animal”, afirma Marshall. Ainda está sendo analisada a quantidade ideal de tanino para as vacas. Outro desafio dos pesquisadores ingleses é a escassez da planta no país. Além de não ser encontrada em grandes quantidades, quando plantada junto ao capim, ela acaba desaparecendo após uns dois anos.

Já na Nova Zelândia, outro lugar onde o tema é realmente levado à sério, o governo criou um órgão específico – Ministério do Meio Ambiente - responsável por achar alternativas e criar leis para conter a emissão dos chamados greenhouse gases. Quando o problema foi levado à tona, anos atrás, cogitou-se taxar os pecuaristas neozelandeses, um dos maiores exportadores mundiais, pela produção de metano pelos seus rebanhos. Os produtores disseram “não” e fizeram uma contra-proposta. Em vez de pagar taxas, financiariam pesquisas. É o que vem sendo feito. Recentemente foi divulgado o desenvolvimento de uma espécie de grama, geneticamene modificada, que é digerida mais facilmente pelas vacas e, consequentemente, libera menos gás metano. O novo capim ainda está em fase de testes.

METANO TRANSFORMADO

Algumas empresas privadas estão investindo em novas maneiras - criativas e lucrativas, para dar fim ao metano. A sueca Svensk Biogás é uma delas. Ela utiliza carnes - que seriam incineradas ou então jogadas no lixo pelos abatedouros - para produzir biogás. O metano é retirado de restos de estômago, intestino, rim, fígado e até do sangue dos bovinos, através de um processo de fermentação. Depois de tratado – filtrado com água e removido o máximo possível de CO2, o gás pode ser utilizado como combustível em carros, táxis, caminhões e, inclusive, trens. Segundo a empresa, Amanda é o primeiro trem do mundo movido somente a biogás. O produto da Svensk também é usado na frota de ônibus da cidade, Linkoping, onde fica a sede da companhia.

Além de carne de vaca, também são utilizadas sobras de porcos e galinhas. São 54 mil toneladas de dejetos transformados em cinco milhões de metros cúbicos de biogás por ano.

Outro projeto pioneiro vem de uma fazenda em Fresno, na Califórnia. O metano está sendo retirado de esterco de gado e transformado em gás. The Vintage Dairy Biogas Project virou realidade graças ao sonho e esforço do pecuarista David Albers e uma parceria estratégica com a empresa Pacific Gas and Electric, que compra e distribui o gás. Albers espera produzir gás suficiente para abastecer 1200 casas por dia.

Fonte:

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Bife aguado
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